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Reporter/Emissora Condenada em Quinhentos Mil Reais, porque Invadiu Residência para Reportagem, Sem prejuízo de responder ação criminal

Direito de Imagem, Todos os artigos e publicações 10 de setembro de 2016

“A verdade é que uma espécie de segredo indecoroso merecedor de tratamento discreto para não agravar mais a condição das vítimas alcançou uma publicidade indesejada e nociva graças à forma abrupta com que foi divulgado, com violação de domicílio e captação de imagens sem consentimento, o que agravou o abalo emocional dos familiares, provocando sérias e graves conseqüências”, disse o relator…”

Comentário do Dr. Fábio toledo, advogado, especializado pela UFF em Direito Privado: Não podemos perder de vista que até mesmo a Impressa tem seu limite, o direito de informar deve ser confrontado com direito a intimidade assegurado também pelo Constituição Federal, o sensacionalismo, se houve, deve ser evitado.

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO VOTO Nº 26862 APELAÇÃO Nº 0172405-53.2011.8.26.0100 COMARCA: SÃO PAULO APELANTE: TV ÔMEGA LTDA. APELADOS: MARIA DE LOURDES FERNANDES E OUTROS JUÍZA PROLATORA: DRA. FERNANDA MENNA PINTO PERES Responsabilidade civil. Direitos de personalidade violados pela emissora de televisão que, sem autorização ou consentimento, invade residência e filma ambiente familiar, com imagem de uma das filhas da autora, para formar quadro de reportagem sobre abusos sexuais de pai contra filhas no recesso do lar. Dever de indenizar pelo propósito sensacionalista de explorar o drama dos envolvidos. Matéria que não é de interesse público, apesar de instaurado inquérito policial para apuração dos crimes. Indenização pleiteada e concedida de valor correspondente a 1.500 salários, sendo de aplicar o piso nacional do salário e não o estadual. Julgamento extra petita que não invalida a escorreita sentença. Provimento, em parte, para reduzir o quantum para R$ 500.000,00, com juros da citação e correção monetária a partir do presente julgamento, excluída a multa por litigância de má-fé. Vistos. MARIA DE LOURDES FERNANDES e suas filhas, VANESSA BIZERRA CABRAL, LUZIA BIZERRA CABRAL, JÉSSICA BIZERRA CABRAL E JANAÍNA BIZERRA CABRAL, ajuizaram ação de indenização por danos morais em face de TV ÔMEGA LTDA. (REDE TV! SÃO PAULO). Relatam que em agosto de 2003 MARIA DE LOURDES lavrou um boletim de ocorrência na Delegacia de Defesa da Mulher em face de seu companheiro e pai de sua filhas, afirmando ter este cometido o crime de estupro doméstico contra as meninas, ora coautoras. Afirmam que instaurado o inquérito policial e após as realização de exames periciais, foi decretada a prisão do Sr. JOSÉ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO APEL.Nº 0172405-53.2011.8.26.0100 – SÃO PAULO – 26862 2 BIZERRA CABRAL, preso em 12 de agosto de 2003, portando arma de fogo. Sustenta que dias após o registro da ocorrência, a empresa ré enviou à sua casa equipe de reportagem do programa “Repórter Cidadão” que, sem qualquer autorização, até porque na hora dos fatos somente a filha Vanessa estava no local, realizou filmagens em seu interior, veiculadas posteriormente no citado programa de TV, expondo publicamente todo o drama enfrentado pela família. Diante destes fatos, a genitora autora lavrou outro boletim de ocorrência por violação de domicílio do repórter e também do apresentador do programa, Sr. Marcelo Resende. O inquérito foi instaurado, solicitando-se cópia da gravação à empresa ré que em sua resposta informou que não mais detinha a gravação. Em abril de 2007 a punibilidade dos investigados foi extinta pelo decurso da prescrição. As autoras alegam que a publicidade dos fatos rendeu à família grandes dissabores, principalmente em relação às coautoras Vanessa e Jéssica, que deixaram de frequentar as aulas do colégio, chegando a perder o ano letivo, tendo em vista que eram identificadas na rua e na escola como “as estupradas”. A genitora autora relatou, também, que como na reportagem foi identificada como cúmplice do crime, passou a sofrer ameaças de todo o tipo pela vizinhança, situação que fez com que a freguesia da barraca de lanches que possuía e que servia como única fonte de renda da família diminuísse consideravelmente. Aduz que o Sr. José Bizerra foi posto em liberdade em 1º de março de 2004, momento em que voltou a residir em sua casa, sendo assassinado a tiros por três indivíduos desconhecidos em 18 de novembro de 2005. Informa que, cansadas de sofrerem humilhações, venderam a casa a preço ínfimo e passaram a residir na casa da irmã da autora-genitora. Pedem a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor equivalente a 1500 salários mínimos para cada uma das autoras. Citada, a ré contestou às fls. 191/205. Réplica às fls. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO APEL.Nº 0172405-53.2011.8.26.0100 – SÃO PAULO – 26862 3 223/237. A D. Magistrada julgou a ação improcedente em relação às autoras VANESSA BIZERRA CABRAL, LUZIA BIZERRA CABRAL, JÉSSICA BIZERRA CABRAL E JANAÍNA BIZERRA CABRAL, com fundamento no art. 269, IV, do CPC, julgando procedente no que diz respeito à autora MARIA DE LOURDES FERNANDES, condenando a ré a lhe pagar a título de dano moral o valor de R$ 1.065.000,00, acrescido de juros de 1% ao mês desde o evento danoso (16.08.2003) e correção monetária pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça de São Paulo, a partir da data sentença (fls. 249/262). Recorre a TV ÔMEGA (REDE TV!) afirmando que a r. sentença é extra petita, tendo em vista que consta da peça inaugural pedido de condenação em salários mínimos, não podendo o D. Juízo inovar, fixando a indenização em valor fixo, pleiteando, preliminarmente, a declaração de nulidade da r. sentença por infrigência aos artigos 128 e 460 do CPC. No mérito, reafirma a inexistência de prova de que teria efetivamente veiculado a matéria jornalística apontada, até porque as imagens não constam do seu banco de arquivos, alegando que as autoras não notificaram a empresa ré no prazo de 30 dias, conforme preceitua o art. 58, § 1º da revogada lei de imprensa, situação que resguardaria seus eventuais direitos. Argumenta que não se poderia presumir a veracidade dos fatos diante do que foi relatado, inexistindo danos a serem indenizados, visto que não há responsabilidade sem prejuízo. Pede a reforma da decisão ou, subsidiariamente, a redução do quantum fixado a título de danos morais, com a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade e que os juros incidam não da data do evento danoso, mas, sim, a partir da sentença de mérito que determinou o valor da indenização, com a exclusão da multa pela litigância de má-fé imposta por ocasião do julgamento dos embargos de declaração aflorados em 0,5% do valor dado à causa – R$ 4.147.500,00 – (fls. 276/296). Contrarrazões às fls. 303/330. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO APEL.Nº 0172405-53.2011.8.26.0100 – SÃO PAULO – 26862 4 É o relatório. Sobre a preliminar é preciso afirmar que a autora formulou pedido certo de 1.500 salários mínimos (fls. 27/28), sendo que a r. sentença fixou a indenização em R$ 1.065,000. Considerando que o salário mínimo era de R$ 622,00 quando da emissão do julgado (18.5.2012) o valor de 1.500 vezes o salário alcançaria a cifra de R$ 933.000,00. A digna Magistrada justificou a sua decisão citando o art. 1º, III, da Lei Estadual n. 14693, que fixa o piso salarial de operadores de rádio e televisão em R$ 710,00. Assim, 1.500 x R$ 710,00, seria R$ 1.065.000,00. O raciocínio é inteligente e revela o cuidado com que foi decidida a causa. No entanto, e considerando que o salário mínimo que fundamenta o pedido é aquele que os trabalhadores fazem jus e que serve para nortear as relações institucionais, não poderia ser aplicado o piso estadual para o setor da atividade da requerida. Portanto, e respeitado o posicionamento, fica evidente a ocorrência de condenação em quantia superior ao que foi pleiteado, o que constitui vício do julgado por ofensa aos artigos 128 e 460, do CPC, o que, no entanto, não constitui causa de nulidade. Em caso de sentença extra petita, a jurisprudência considera cabível a adequação ou, como no caso, redução ao patamar pleiteado, como medida suficiente para atender aos limites objetivos da lide. Isso será realizado, como se poderá conferir da parte dispositiva. Quanto ao mérito, todos sabem que no direito brasileiro, a responsabilidade civil, em regra, tem como fundamento a culpa, consoante dispõe o art. 186 do Código Civil de 2002, sendo de se mencionar que a configuração da responsabilidade hábil a ensejar a indenização pretendida PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO APEL.Nº 0172405-53.2011.8.26.0100 – SÃO PAULO – 26862 5 pelos autores requer a demonstração da ação ou omissão, por dolo ou culpa, do resultado lesivo; do nexo causal entre ambos e da culpa dos agentes ora requeridos. Por outro lado, nos exatos termos do inciso X, do art. 5º, da Constituição Federal são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação, sendo este o tema abordado no pleito inicial. O fato de ter ocorrido invasão de domicílio e filmagens da casa e de morador estão imunes à controvérsia devido a ter sido admitida a aplicação do art. 359, do CPC, dispositivo que autoriza considerar verdadeiros os fatos inseridos em documentos não exibidos, no caso, a fita que permitiu reportagem sobre os abusos denunciados. Qualquer discussão sobre esse tópico esbarra em ofensa à coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da CF), o que é inadmissível, inclusive porque a ré não justifica a razão de ter eliminado a gravação quando, pelas técnicas atuais, o armazenamento é realizado em arquivo de baixo ou nenhum custo financeiro. A Constituição Federal, (art. 1º, III), consagrou a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, motivo por que hoje, sob o manto da ordem constitucional instaurada em 1988, tem o cidadão o que pode ser chamado de direito subjetivo constitucional à dignidade, o que deu ao dano moral um novo parâmetro de análise diante do fator de ser ela – a dignidade – a essência de todos os direitos personalíssimos. Assim sendo, a ofensa ao direito individual, à intimidade, à vida privada, à honra, dentre outros, como corolário do já mencionado e festejado princípio da dignidade humana, constitui lesão a direito personalíssimo, autorizando, assim, a compensação indenizatória. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO APEL.Nº 0172405-53.2011.8.26.0100 – SÃO PAULO – 26862 6 O jurista argentino JORGE BUSTAMANTE ALSINA aplaudiu decisão que reconheceu a ocorrência de dano moral indenizável pela invasão de domicílio para filmagens de anúncios publicitários e comenta o acerto do julgado que ratificou o entendimento de que a vítima está dispensada de produzir prova sobre a ocorrência do dano (“Entrar a un domicilio particular sin el consentimiento expreso de sus moradores constituye violacion de la intimidad”, in Responsabilidad civil y otros estudios, Buenos Aires, AbeledoPerrot, 1992, vol. II, p. 199): “En cambio tratándose del daño moral, la víctima está dispensada de la prueba del agravio porque por su propia índole queda estabelecido por la sola realización del hecho danoso que comporta la presunción de existencia de lesión em los sentimentos”. Produziu a ré uma reportagem com cenários e conteúdos integrantes de direito da personalidade e, ao transmitir as filmagens à revelia dos titulares desses direitos, expôs publicamente o drama da família da autora genitora e de suas filhas, que eram abusadas sexualmente pelo seu companheiro, pai das meninas, mostrando, ainda, imagens do interior da residência delas. Aqui não é somente o direito de imagem que foi agredido, mas, sim, a publicidade desnecessária de assunto íntimo e que, sem autorização ou interesse público e social, é colocado em canal aberto de televisão para chamar a atenção sobre crime bárbaro e que aumenta a audiência e, consequentemente, lucro da empresa televisiva. A autora tinha todo o direito de encaminhar a denúncia contra o marido, depois assassinado, dentro de uma esfera de sigilo, porque extravasar o ocorrido seria expor as vidas dos integrantes do núcleo familiar ao PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO APEL.Nº 0172405-53.2011.8.26.0100 – SÃO PAULO – 26862 7 sabor das curiosidades e maledicências alheias, sabido que gestos solidários e puros nesses momentos de consternação são raros. A devassa aberta pela ré alargou a ferida e dificultou a cicatrização. Não importa que a TV tenha obtido informações policiais para que se legalize a conduta, porque certos conteúdos são reservados e dependem de expresso consentimento para a divulgação, porque não são de interesse público. A intimidade é lesada porque foi divulgado algo que deveria permanecer em sigilo para proteger a vida privada dos envolvidos. A invasão de domicílio é uma agressão prejudicial a direitos fundamentais do ser humano, representando a quebra de uma das mais importantes proteções da vida privada, a intimidade (ADA PELLEGRINI GRINOVER, Liberdades públicas e processo penal, RT, 2ª edição, 1982, p.86; PAULO JOSÉ DA COSTA JR., O Direito de estar só, RT, 1970, p.75 e RENÉ ARIEL DOTTI, Proteção da vida privada e liberdade de informação, RT, 1980, p. 82). Curioso o comentário de LOBÃO sobre o crime de devassa capitulado na Ordenação Filippina (Casas, Lisboa, Livraria Clássica, 1915, p. 324, § 465): “§ 465. Qualquer pessoa (diz a Ord. L. 5, T. 45, § 4), que por força entrar em alguma casa, quebrando as portas, ou lançando-as fora do couce, ora comsigo leve gente de assuada ora não, e for para ferir, matar, roubar, forçar, ou tomar mulher, ou injuriar alguma pessoa, que dentro da casa esteja, posto que nenhuma das sobreditas coisas faça, será degradado para sempre para o Brasil, e mais pagará a injuria á Parte pela força, que assi lhe fez, havendo respeito á qualidade das pessoas; e além disto será punido, segundo o damno, ou ofensa, que lhe fizer”. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO APEL.Nº 0172405-53.2011.8.26.0100 – SÃO PAULO – 26862 8 É de se ressaltar, por oportuno e ao contrário do consignado pela apelante, que em se tratando de indenização decorrente de uso indevido da imagem captada pela filmagem clandestina, não há necessidade da prova do prejuízo, já que o dano moral ocorre in re ipsa. Tal entendimento está sedimentado na Súmula n.º 403 do STJ, que esclarece que “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”. Necessário dispor, para contrariar o que foi posto na sessão de conferência de votos pela ilustre Advogada que usou da palavra para sustentar as pretensões do recurso, que não se presume autorizada a equipe de filmagem pela não oposição de uma menina de quinze anos que se encontrava na residência no momento da entrada. Trata-se de pessoa incapaz de consentir e que não poderia representar o interesse e a vontade da autora. Embora fosse divulgada a aparência da filha menor, a ofensa atinge a autora e a legitima ao pedido de indenização, porque o assunto é familiar e a residência foi fotografada, com reprodução dos departamentos internos, sem consentimento do titular da habitação e da moradia, o que configura o direito de indenização. A propósito, no julgamento pelo STJ do REsp n.º 267.529 (Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira), ficou assentado que: “Em se tratando de direito à imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não havendo de cogitar-se da prova da existência de prejuízo ou dano. O dano é a própria utilização indevida da imagem, não sendo necessária a demonstração do prejuízo material ou moral. A indenização deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento sem causa, com manifestos abusos e exageros, devendo o arbitramento operar-se com moderação, orientando-se o PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO APEL.Nº 0172405-53.2011.8.26.0100 – SÃO PAULO – 26862 9 juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso” Aliás, outro não é o entendimento doutrinário em relação ao tema posto em debate. Como pondera L. A. DAVID ARAÚJO (in BONAVIDES, P., MIRANDA, J. e AGRA, W. M., Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009) a respeito do alcance objetivo da proteção conferida à imagem, “Há imagens que não são protegidas. (…) As imagens não protegidas são aquelas das pessoas em público, dentro de um contexto de notícia, no qual não há qualquer exploração comercial direta.” No contexto apresentado, portanto, era mesmo de ser deferida a indenização por danos morais em benefício da autora. O valor de R$ 933.000,00, correspondente a 1.500 salários mínimos, não cumpre o ideal do art. 944 do CC, constituindo, com os acréscimos e encargos que atualizam o valor fixado, uma quantia extraordinária e não consentânea com a função do dano moral, que é o de promover, com os benefícios da soma de dinheiro, satisfações materiais que minimizem a dor e o sofrimento causados pela ilicitude. A recorrida explorou um quadro da miséria familiar, escancarando uma vergonha inocultável, mas que não poderia fundamentar reportagem sensacionalista e desautorizada, o que não significa que tenha de indenizar vultosa quantia. A autora relata que foi vítima da agressividade do falecido marido que, manipulando o poder parental, abusava sexualmente das filhas e exigia cumplicidade e silêncio, com ameaças e agressividades que eram levadas a sério devido a portar ele “arma de fogo”. Embora ela tenha, em um PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO APEL.Nº 0172405-53.2011.8.26.0100 – SÃO PAULO – 26862 10 determinado instante, adquirido a coragem suficiente para denunciar, o fez de maneira cívica, ou nos limites do direito de petição (art. 5º, XXXIV, “a”, da CF), buscando a intervenção das autoridades policiais para solução do crime que poderia, em não sendo contido ou reprimido, persistir, agravando, ainda mais, a situação dos envolvidos. As filhas, agora já não tão moças, estão, naturalmente, presas a esse passado cruel e serão obrigadas a conviver com tais recordações, o que não autoriza pensar que o drama possa ser explorado em programa televisivo que vai ao ar abordando os crimes não com o propósito de proteger ou auxiliar as vítimas na difícil ou impossível terapia do esquecimento ou da convivência pacífica com o drama, mas, sim, para obter audiência (IBOPE). A verdade é que uma espécie de segredo indecoroso merecedor de tratamento discreto para não agravar mais a condição das vítimas, alcançou uma publicidade indesejada e nociva graças à forma abrupta com que foi divulgado, com violação de domicílio e captação de imagens sem consentimento, o que agravou o abalo emocional dos familiares, provocando sérias e graves consequências. Sobre as repercussões, conquanto não se possa vincular o assassinato do marido da autora e violentador das filhas à reportagem que mostrou o cotidiano de abuso na residência, a violência não foi contida e esse episódio explica que a publicidade dos estupros coincide com a execução do varão em sua casa e no próprio incêndio da barraca de lanches que constituía a atividade rentável da autora. Óbvio (art. 335 do CPC) que as moças vítimas dos abusos que foram reproduzidos na TV, passaram a ter seus dramas conhecidos, o que é desastroso em termos de convivência social e desenvolvimento de personalidade, o que de forma direta atinge a própria autora, agora chefe da família. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO APEL.Nº 0172405-53.2011.8.26.0100 – SÃO PAULO – 26862 11 Sobre esse último aspecto e em atenção ao que foi articulado pela Advogada em sustentação oral, o fato de ter sido registrado, na escola em que uma das filhas estudava, a sua dificuldade de aprendizado pelos abusos sexuais, não significa dizer que as emissoras estavam liberadas para tratar do tema com ampla liberdade, porque a informação era importante para fins pedagógicos ou de acompanhamento escolar, mas nunca para ser explorado em reportagens sensacionalistas. A indenização, nesse contexto e seguindo a prudência recomendada pelo Professor espanhol RAFAEL GARCÍA LOPEZ (Responsabilidad civil por daño moral, Bosch, Barcelona, 1990, p. 154) não poderia ser de valor parcimonioso, pelo que razoável considerar razoável o valor de R$ 500.000,00, para bem aplicar o sentido da proteção prevista no art. 5º, V e X, da Constituição Federal e do próprio artigo 944, do CC. Trata-se de uma expressão monetária que provoca o balanço capaz de contemporizar os malefícios da conduta da ré. Os juros incidem a partir da citação verificada na medida cautelar, sendo esse marco escolhido como termo a quo para definir, com criterioso ajuste, a forma de atualização, pois se retroagir em demasiado (para a data do evento), o valor da indenização poderá perder a sua finalidade pelo acréscimo excessivo. A correção monetária deve ser aplicada a partir do presente julgamento, pois foi agora remodelado o quantum (Súmula 362, do STJ). Quanto à multa imposta pela litigância de má-fé quando rejeitados os embargos declaratórios (0,5% do valor da causa) é de ser excluída a condenação, em virtude de a recorrente ter exercido direito legítimo (art. 535, do CPC), sem que possa identificar caráter protelatório. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO APEL.Nº 0172405-53.2011.8.26.0100 – SÃO PAULO – 26862 12 Isto posto, dá-se provimento, em parte, ao recurso, reduzindo o quantum indenizatório para R$ 500.000,00, com juros da mora da citação e correção monetária a partir do presente julgamento, excluída a multa por litigância de má-fé. No mais, ficam mantidos os demais termos da r. sentença, inclusive sobre verbas de sucumbência. ÊNIO SANTARELLI ZULIAN

fonte de pesquisa: Conjur.

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